TJ-RJ afasta súmula do "mero aborrecimento" - A teoria do Desvio Produtivo do Consumidor
Em recente decisão, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afastou a Súmula nº 75 da corte e condenou o Banco do Brasil a pagar indenização por danos morais de R$ 4 mil a uma mulher que teve seu cartão de crédito recusado em uma loja.
A Súmula nº 75 do TJRJ é conhecida como a súmula do mero aborrecimento:
"O SIMPLES DESCUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL OU CONTRATUAL, POR CARACTERIZAR MERO ABORRECIMENTO, EM PRINCÍPIO, NÃO CONFIGURA DANO MORAL, SALVO SE DA INFRAÇÃO ADVÉM CIRCUNSTÂNCIA QUE ATENTA CONTRA A DIGNIDADE DA PARTE."
Isto porque talvez seja a súmula mais utilizada do tribunal e serve como base para afastar pedidos compensatórios por danos morais, fundamentando-se na "teoria" do mero aborrecimento, em que os danos morais precisariam ser efetivamente comprovados por meio de situações excepcionais que possam se afigurar, para o julgador, capazes de infligir a vítima abalo psíquico suficiente apto a atentar contra sua dignidade. Ou seja, a súmula restringiu - e muito - as hipóteses em que se tornam cabíveis pleitear a compensação por danos morais.
O argumento para criação e aplicação da súmula sempre teve muito menos de jurídico do que de lobby e política judicial para redução do número de demandas. É que as grandes empresas que são campeãs de demanda nestes casos,precisavam reduzir o volume das indenizações, para assim não ter que reduzir o número de processos, o que só seria possível com grandes investimentos na sua própria eficiência a no atendimento adequado ao cliente.
Por sua vez, o Tribunal é constantemente pressionado a reduzir o volume de suas demandas, uma vez que possui infraestrutura e atendimento precários, parte em razão da falta de investimento do Estado, parte em razão de sua própria ineficiência de gestão.
Ao sumular a questão, deixa claro para partes e advogados que a grande massa de processos pleiteando compensação por danos morais em razão de descumprimentos contratuais, principalmente na órbita do consumidor, não prosperarão, salvo situações excepcionais e raras.
Ora, o dano moral não é fácil de ser comprovado em todos os casos e muito menos o "quantum" da compensação. Costumava-se dizer que havia sido criada uma "indústria do dano moral" no judiciário. Lamentavelmente, a suposta indústria foi substituída pela "indústria do mero aborrecimento".
Com a recente decisão, o TJRJ corrige gravo erro do passado, desprendendo-se das amarras do lobby e dos argumentos não jurídicos para redução de demandas judiciais, passando a adotar o correto entendimento pautado em argumentos jurídicos, quais sejam, em primeiro lugar, a flagrante inconstitucionalidade de súmula que limita direito constitucional que não foi limitado pela própria constituição, e em segundo lugar, reconhecendo, incidentalmente, que todo mero descumprimento contratual gera sim, por si só, danos morais, notadamente na área do consumidor.
Nessa esteira, o STJ vem adotando em seus julgados a teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, criada pelo advogado Marcos Dessaune, que defende que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável. O livro está na 2ª edição, revista e ampliada em 2017, e agora é intitulado Teoria ‘aprofundada’ do Desvio Produtivo do Consumidor.
Enfim, o precedente é importante, resta saber se vai seguir sendo aplicado pelos demais órgãos julgadores estaduais.
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